Sou Luciane Maria Carminatti, tenho 46 anos, sou educadora e especialista em Educação Especial. Nasci em Chapecó, estudei, trabalhei e foi nesta cidade onde ingressei no meio político. A formação na pedagogia abriu meu coração, minha mente e minha visão de mundo, pois me fez compreender o valor da educação como um instrumento de transformação social e de construção de cidadania.
Ajudei a criar e fui a primeira presidente do Centro Acadêmico de Pedagogia. Ao mesmo tempo, participava também das atividades no Partido dos Trabalhadores de Chapecó. Depois de alguns anos em sala de aula, concorri pela primeira vez a um cargo e fui eleita vereadora do município. Também assumi a secretaria municipal de educação, fui novamente vereadora e, desde 2011, sou deputada estadual de Santa Catarina. Sou uma das 13 mulheres vereadoras da história de Chapecó e uma das 12 catarinenses que já se tornaram deputadas estaduais – atualmente, somos em três mulheres na Assembleia Legislativa, entre os 40 parlamentares eleitos. Contribuo, portanto, para os 14% dos cargos eletivos ocupados por mulheres no Brasil.
Me apresento para que saibam de quem está partindo esta fala e para que possamos refletir coletivamente sobre o que acontece quando uma mulher ousa sair do espaço privado reservado a ela e ocupa o espaço público, pensado por homens e para homens.
Já se vão 20 anos desde que ingressei no meio político. Hoje, compreendo de maneira muito mais lúcida os preconceitos que sofri e aqueles que ainda me acompanham. Costumo pensar que a minha trajetória contempla uma batalha constante entre avanços e permanências (retrocessos, jamais).
Me casei muito jovem, aos 23 anos. Aos 25, tive a minha primeira filha, Paula. Depois dos 30, já enquanto vereadora, veio a minha segunda filha, Júlia. O meu caçula, Guilherme, chegou após os 40, no meu primeiro mandato como deputada estadual.
Minha gravidez, por si só, mudou não apenas a minha vida e a rotina da minha família, mas também as regras da própria Assembleia Legislativa: comigo, foi regularizada a licença maternidade, pois nunca antes uma deputada havia engravidado em pleno mandato. Essa situação evidenciou pra mim o quanto eu estava ocupando um espaço de poder que não foi concebido às mulheres – e muito menos para as que são mães.
A escolha em deixar o lar para trabalhar fora cobra o seu preço todos os dias. Por vezes, é uma cobrança sutil, disfarçada de perguntas aparentemente bem intencionadas, mas que não estão realmente interessadas na minha rotina ou dos meus filhos. Com o tempo, entendi que o julgamento alheio não surge a partir da minha conduta e sim do fato de ser mulher, tendo como intenção somente me impor uma culpa generalizada por ser quem eu sou e por não aceitar uma posição passiva diante do mundo.
Apesar de carregada de injustiças, a dupla jornada é uma realidade comum para muitas mulheres que, assim como eu, conciliam a maternidade e o lar com um trabalho extremamente exigente. Cuidar da casa, dos filhos e ainda trabalhar fora transforma a mulher numa espécie de heroína. Digo uma espécie porque ninguém nos pergunta se é este o papel que queremos assumir na nossa própria história – vem até nós, mesmo que ninguém o reivindique para si. É uma cobrança que nos atravessa desde que nos entendemos enquanto mulheres e que nenhum homem vivencia.
A todo momento, nos deparamos com discursos prontos que acomodam a maternidade em um pedestal social, apenas para nos dizer que o espaço reservado para nós mulheres é o privado, o doméstico. É ali que devemos nos realizar (evidentemente, com eventuais visitas ao mercado conferir os preços das prateleiras e, assim, dar a nossa contribuição para a economia do país).
Por tudo isso, a política ainda é um meio extremamente intimidador para as mulheres. Somos lembradas o tempo todo que estamos em um espaço de poder historicamente construído por e para homens. Eu, particularmente, nunca ouvi nenhum colega parlamentar homem ser questionado sobre como ele concilia a paternidade com a carreira política. E nem presenciei ser a ele dirigido o discurso de que ele embeleza os espaços que ocupa, dito sob o pretexto de elogio.
Atualmente, os partidos políticos tem cotas reservadas para candidaturas de mulheres. Mas por que mesmo nós precisamos estar na política? Mais do que ocupar espaços e mandatos, as mulheres precisam se construir enquanto lideranças e referências, para ter voz ativa nas ações que decidem os rumos políticos de seus partidos, setores, cidades e país.
Precisamos de políticas mulheres para alterar a lógica da estrutura patriarcal e sexista que domina os espaços de poder – e enxergar as outras mulheres como representantes das mesmas lutas que nos movem: por direitos e por avanços sociais que contemplem todas nós.
Ainda vivemos em uma sociedade extremamente desigual. O ano é 2017 e ainda precisamos ouvir o absurdo de que equiparar a idade de aposentadoria de homens e mulheres atende a um pleito feminista. Cerca de 40% dos lares brasileiros já são chefiados por mulheres. No geral, a nossa jornada de trabalho comporta, em média, 7,5 horas a mais por semana do que a dos homens. E, sim, ainda ganhamos em torno de 25% a menos que os homens, embora isso seja inconstitucional. E ainda somos discriminadas na hora de disputar uma seleção – separadas em: com filhos e sem filhos – isso também é ilegal e imoral. É notório que mulheres com filhos de até quatro anos têm mais dificuldades para conseguir emprego, mesmo sendo profissionais qualificadas e experientes dentro das suas áreas. E o pior: ao longo da vida, vamos sendo educadas para aceitar essa realidade injusta com naturalidade. Como se fosse normal exigir sacrifícios das mulheres para chegar a lugares que os homens conquistam o direito de ocupar apenas por serem o que são – homens.
Eu, particularmente, não quero ser igual, melhor ou pior que nenhum homem. E espero que nenhum deles queira ser melhor, pior ou igual a mim. Quero que possamos, cada um a seu modo, viver plenamente as nossas diferenças, com respeito e solidariedade.