Quero destacar neste plenário a mais recente nota pública do Ministério Público Federal. Para o MPF, a recomendação da Presidência da República para que se comemore o golpe de Estado de 1964 é um pedido para que seja festejado “um regime inconstitucional e responsável por graves crimes de violação aos direitos humanos”.
“É incompatível com o Estado Democrático de Direito festejar um golpe de Estado e um regime que adotou políticas de violações sistemáticas aos direitos humanos e cometeu crimes internacionais” diz a nota.
O documento afirma ainda que a iniciativa “soa como apologia à prática de atrocidades massivas e, portanto, merece repúdio social e político, sem prejuízo das repercussões jurídicas”.
Segundo o órgão, utilizar a estrutura pública para defender e celebrar crimes “atenta contra os mais básicos princípios da administração pública, o que pode caracterizar ato de improbidade administrativa.”
O Ministério Público Federal também alertou a Presidência de que o apoio de um presidente da República ou altas autoridades a festejos em comemoração ao Golpe seria, também, crime de responsabilidade.
Se por um lado temos de lamentar a insistência de um grupo político em usar o Poder Executivo para celebrar o maior golpe sofrido pela democracia brasileira, por outro lado, temos de destacar a consolidação do entendimento contrário, observada nos poderes Legislativo e Judiciário.
Na semana passada, o Ministério Público informou que uma ação civil pública conseguiu levar a União a fazer mudanças em documentos oficiais para constar que o tenente-coronel da Aeronáutica Alfeu de Alcântara Monteiro foi assassinado dentro do quartel e não morto em legítima defesa. Ele é considerado a primeira pessoa a ser assassinada pela ditadura.
Recupero também todo o extenso e sério trabalho da Comissão da Verdade, cujo relatório final concluiu que a ditadura matou ou desapareceu com 434 suspeitos de dissidência política e com mais de 8 mil indígenas. Entre essas pessoas está o nobre Paulo Stuart Wright, catarinense, ex-membro desta Casa.
Cassado pela ditadura militar em maio de 1964, o deputado estadual foi sequestrado no dia 4 de setembro de 1973 e conduzido ao Doi-Codi em São Paulo. Depois disso desapareceu. Até hoje seu corpo não foi encontrado.
Neste momento trago a este plenário a memória do companheiro Stuart, do seu trabalho junto a comunidades carentes e das suas ações de luta contra o regime militar.
Da área da Educação, também trago aqui o trabalho feito na maior universidade pública de Santa Catarina, a UFSC. Um relatório interno revelou que a reitoria espionou estudantes e professores durante a ditadura.
A Comissão da Memória e Verdade da UFSC passou de 2014 a 2016 investigando atos na universidade entre 1964 e 1988. 21 depoimentos individuais e três audiências públicas concluíram que esse processo de repressão contou em alguns momentos com a participação ativa, em outros, com a indiferença da administração universitária.
O documento diz que em 1972 foi criado o órgão de Assessoria de Segurança e Informação (ASI) dentro da UFSC, para aumentar a vigilância sobre os movimentos de estudantes, professores e servidores.
O relatório afirma ainda que “vários estudantes, professores e servidores da UFSC foram vítimas destas violações dos direitos humanos e que demissões, não contratações e perseguições internas políticas e às vezes pessoais foram comuns” na UFSC durante a ditadura.
Na defesa das nossas mulheres, registro aqui que dos 580 catarinenses presos durante o regime militar, 27 eram mulheres. Entre elas, Derlei Catarina de Luca presa três vezes, uma delas aqui em Florianópolis.
Na terceira detenção, durante a Operação Bandeirante, a catarinense natural de Içara foi torturada e mantida encarcerada por vários meses. Passou por praticamente todos os tipos de tortura física empregados na época: pau-de-arara, cadeira do dragão, choque elétrico e a palmatória.
Após suportar e resistir ao golpe mais sangrento, covarde e nocivo da história do nosso País, Derlei passou a se dedicar à luta pela memória das centenas de vítimas e pela Verdade.
Hoje, solidária à missão da companheira Derlei, à dor da família do deputado estadual Stuart, que nunca pôde se despedir dele, e aos agentes da Justiça que hoje se manifestam, digo que esta também é a nossa tarefa, cinquenta e cinco anos depois: lutar para que o golpe militar nunca mais alcance a nossa tão ameaçada democracia.